quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Mangue Seco, Bahia, BR

   
"Vem meu amor
Vem com calor
No meu corpo se enroscar
Vem minha flor
Vem sem pudor..."

   Para quem viveu o início dos anos 90, o destino a ser divulgado nesse post d"O pé de Samantha" já é familiar: a terra de Tieta do Agreste, conhecido também como Mangue Seco... Cercado de dunas e coqueiros, esse pequeno vilarejo entre Bahia e Sergipe encantou os noveleiros globais com sua simplicidade e seus ares congelados no tempo ao servir de cenário da novela "Tieta".
   "Minha história com Mangue Seco ocorreu de modo inusitado e, logo que soube de sua existência e beleza, entrou como o próximo destino em meu roteiro. Uso a palavra "inusitado" pois não planejara mudar tanto os planos da viagem, e muito menos sabia que isso acarretaria em alterações muito maiores em minha trip de carona de Rio Grande, RS até Maceió, AL, onde, em alguns dias, ocorreria o Congresso Brasileiro de Ornitologia. 
     Os pés de Samantha não estão familiarizados com ônibus porém, acabaram entrando em um em uma madrugada na rodoviária de Salvador, BA, com destino à Praia do Forte. Nessa situação, acabei conhecendo um pernambucano que trabalhou por muito tempo no Projeto TAMAR - um projeto brasileiro de conservação de tartarugas marinhas que possui sede em diversos locais pelo Brasil -, e, após muito conversar durante a viagem e a estadia naquela praia, ele citou esse lugar de natureza indescritível e que, sim ou sim, eu deveria visitá-lo. Assim, seguindo seu conselho, me dirigi de carona para esse pequeno paraíso..."
    Porém, para quem quiser curtir o sossego deste destino, uma jornada terá de ser vencida. Mangue Seco está situada ao lado da Foz do Rio Leal, separando o vilarejo da povoado de Pontal, SE, que fica a 12km da SE-368 (a continuação da Linha Verde) por uma estrada secundária. De lá, a travessia é feita com ajuda de barqueiros, com valores variados de R$2,00 a R$15,00, dependendo da quantidade de pessoas que pretendem atravessar. Para quem quiser seguir viagem de carona, é possível conversar com os pescadores e trabalhadores que cruzam diariamente em direção a Mangue Seco em suas pequenas canoas motorizadas. O acesso pela Bahia não é recomendado, visto que a estrada é de difícil acesso e há trechos pela praia, o que pode prejudicar a desova das tartarugas na região.
        "Minha chegada em Mangue Seco foi uma aventura! Saí ao meio dia de Praia do Forte pedindo carona, as quais foram muito variadas, primeiro com cinco pessoas, um de cada canto do Brasil, unidos para festear pela Bahia, depois com uma família que morava em um povoado mais à frente e um caminhão que levava refrigerados à Aracaju. Porém, a noite chegou e, já conformada que não chegaria à Mangue Seco naquele dia, aceitei o convite de comer um bom prato de feijão com arroz já em terras sergipanas com os caminhoneiros. Enquanto comíamos aquele delicioso prato, falando sobre os diferentes sotaques do Brasil, um jovem casal chegou à nossa mesa e perguntou por informações sobre como chegar em Mangue Seco. Mais anjos em minha vida! Fizemos uma troca: eu guiava eles com meus mapas e eles me levavam de carro até Pontal. Lá, dividimos o preço de uma embarcação (cerca de 15 reais/pessoa) e, assim, enfim, cheguei em Mangue Seco!"
      A infraestrutura no local é limitada, com algumas poucas pousadas e nenhum hostel ou camping para os mochileiros. Porém, como o local é de difícil acesso, a tranquilidade por aqui ainda reina, possibilitando camping selvagem ao meio das dunas que circundam a cidade, sendo a última opção, a minha escolha. Para comer, há casas de locais que oferecem cafés da manhã completos por R$10,00 à beira do rio, porém os mercados para compra de provisões não são nada convidativos!
      Já na primeira caminhada pela cidade, o visitante se vê impactado pela distinta realidade do lugarejo engolido pela areia. O povoado é minúsculo, com construções de pau a pique antiguíssimas e simples, distribuídas através das pequenas ruelas pavimentadas à pura areia, o que dificulta até a caminhada dos moradores. Ao invés de cachorros de rua, a cidade é invadida por burros e jegues, que buscam sombra na praça em frente à Igreja matriz, que possui algumas árvores bordeando o rio. Ali, poderão ser encontradas pessoas sentadas em frente as suas casas, sorveterias e lojas de souvenires.
    Competindo pelo título de maior atração do local com a cidade, estão as dunas que cercam o vilarejo. A versão mais almejada entre os turistas é o passeio de bugue, que recorre os vales e dunas branquinhas, podendo ser feitas pausas para a prática de sandboard e fotografias (em uma base de R$ 60,00 a R$ 80,00/quatro pessoas). Para os mais alternativos, é possível recorrer os 30 km de dunas a pé, como se estivesse na própria novela global Tieta.
       Durante essas andanças, também é possível observar um pouco da fauna local, como exemplo os ninhos de tartarugas marinhas, demarcados para estudos do projeto TAMAR, já citado anteriormente, e, com sorte, avistar até um falcão peregrino, além de muitas aves costeiras.
     Andar pelas dunas até a praia é uma sensação incrível, vendo a paisagem inóspita ser quebrada somente pelos coqueiros acerca da praia. E não há sensação mais prazerosa que chegar até a praia! O frescor que só um mergulho no mar proporciona é indescritível!
    Ademais, há diversos quiosques na beira da praia, na parte mais próxima a foz do rio, os quais nos brindam com diversos serviços a preço acessíveis como, por exemplo, 2 deliciosos espetinhos de queijo coalho a R$ 5,00 e água de coco a R$ 3,00. Ainda, a maioria dos quiosques possuem redes cobertas por telhados de palha, uma ótima saída para se refrescar e descansar da longa caminhada pelas dunas escaldantes. E para garantir o sossego, não há som nos
                                                                                   estabelecimentos.



  No fim de tarde, a melhor vista localiza-se nas dunas próximas à cidade, seguindo pela rua acima da igreja. De lá, a imensa bola de fogo esconde-se atrás dos coqueirais do outro lado do Rio Leal, criando uma atmosfera símbolo do nordeste selvagem do Brasil, que preenche o coração de seu público com muita energia positiva!





 "Voltando ao povoado, encontrei dois pescadores muito simpáticos que depois de muita prosa disseram estar atravessando a Pontal naquela mesma noite. Assim, junto com eles, entrei em uma pequena canoa de madeira com 11 pessoas e muita lavagem de porco! Como se não fora o bastante, ainda havia um homem bêbado, de pé, que tentava se equilibrar na ondulante embarcação, enquanto os olhos apreensivos de todos seguiam seus balanços até que o barco, enfim, atracou na outra margem! Chegando a Pontal, recebi o convite das mulheres da embarcação para ficar na cidade até a manhã do dia seguinte, mas na mesma hora, consegui uma carona até Santa Luzia do Intanhi, de onde eu segui viagem..."

DICAS ÚTEIS:
  • Compre água em alguma cidade e leve. Os preços nos armazéns são altos devido à dificuldade de acesso no povoado;
  • Não esqueça o protetor solar, chapéu e óculos-de-sol, o reflexo da areia que toma conta da paisagem prejudica muito a visão e a pele;
  • Não há bancos, nem caixas na cidade, leve o dinheiro necessário.



domingo, 1 de dezembro de 2013

Quebrada de los Cuervos, Treinta y Tres, UY

   Ahh, o Uruguay! Existe terra mais tranquila e com maior simplicidade que essa? Cada vez que eu passo pela fronteira e sorvo o primeiro mate uruguaio, todas as preocupações e agitações que permeiam minha vida se desvanecem...
  Para aumentar ainda mais essa inebriação de espirito, somente indo a um lugar específico deste pequeno país: Quebrada de los Cuervos! Essa pioneira APN (Área Protegida Nacional) nos deleita com um oásis ao meio do interminável amarelento pampa nas Sierras del Yerbal. Quebrada de los Cuervos, como o nome diz, é um acidente geográfico em forma de garganta, oriundo da corrosão ocasionada pelo arroio Yerbal Chico, que serpenteia esses relevos agrestes a milhares de anos em seu trajeto até o Rio Olimar.
 Devido à quebra drástica da geografia local, há a formação de um microclima subtropical nas regiões do interior desse entalhe, abrigando assim animais e vegetais que não são encontrados fora dessa formação.
  Ali são encontradas cerca de 100 espécies de aves- entre elas os ameaçados caboclinhos de chapéu cinzento e de papo escuro, alma-de-gato, arredio do gravatá, pica-pau-branco e o urubu de cabeça vermelha, preta e amarela, os quais dão nome à quebrada-, 20 mamíferos - como o tamanduá e a lebre de Almada-, 18 anfíbios e 20 espécies de peixes. Ademais da fauna, 70% das espécies vegetais autóctonas do Uruguay encontram-se aí, entre elas, a planta mais cobiçada do Uruguay e Rio Grande do Sul: a erva-mate!
    Como de praxe, o pé de Samantha sempre recorre os lugares sem obter muita informação antes, devido a lacuna de conhecimento da internet ou pela falta de ânimo de perder o tempo que poderia estar viajando, buscando dados sobre o local de modo cibernético. Assim, após diversas caronas, proseando e cevando mates amargos com caminhoneiros, cheguei a entrada da estrada poeirenta de terra que leva à Quebrada. Essa estrada situa-se a 22 km de Treinta y Tres pela ruta 8 e, chegando aí, encontra-se algumas casas simples, nas quais fui buscar água quente para o mate que tomaria enquanto caminhasse até a sede do parque. Falando com moradores, que me receberam de modo muito simpático, estes ficaram atônitos quando disse que pretendia caminhar até o parque, porém, não dei muita bola e disse que estava acostumada a tais caminhadas longas. Assim, segui meu destino. 
     Na beira da Ruta 8, na entrada para a estrada, também há um pequeno armazém chamado "El Convoy", no qual se distribui panfletos informativos sobre o caminho a ser tomado até a APN. Depois de comprar pães e vegetais para passar alguns dias, olhei o mapa e, para minha surpresa, a longa caminhada era mais longa do que eu imaginara. Após os 22 km desde a cidade, ainda é necessário percorrer mais 23 km pela estrada secundária até o prédio sede. Porém, devido a aura obtida pela entrada no país da tranquilidade, segui caminhando pela estrada com o seguinte pensamento "aproveitarei a noite inteira de caminhada para me deleitar com o céu de brigadeiro que só o interior inóspito proporciona". E assim fui...
    O caminho é lindo e nos faz acostumar com a paisagem seca e homogênea do pampa, como que se fora um passo para aumentar o deslumbramento com o parque à porvir. Mas, as horas passam, a caminhada cada vez pesa mais e a meta parece nunca se aproximar. Foi então, por volta da meia noite, que uma camionete passou por mim e, como que se fora um anjo sussurrando no ouvido do motorista, este voltou e perguntou se eu queria uma carona.
     Era uma sexta-feira, dia em que famílias de toda a região dirigem-se ao parque para aproveitar a linda paisagem e interagir com seus parentes em longas tertúlias (logo, para evitar muitas pessoas, procure visitar o parque em dias de semana e fora de feriados). Ao subir na camionete, onde já se amontoavam umas 10 pessoas, muitas perguntas me foram feitas e outras dirigiram-se a eles. Assim descobri outro detalhe interessante do parque: além do camping, churrasqueiras e banheiros com água quente, o parque oferece 3 cabanas com capacidade para até 6 pessoas. Ambos os serviços são pagos, sendo a entrada, com camping incluso, irrisórios 50 pesos uruguaios.
      Assim, chegando a Quebrada, conversamos com o guardaparque e me instalei na área de camping, não antes de ser convidada à cabana da família para provar os pães e doces que uma das mulheres produzia, acompanhado de boa charla e mais mate uruguaio.
     Na manhã seguinte, depois de tomar um banho e mais um mate de café da manhã (com água esquentada na sede), segui pela estrada que nos leva à quebrada... A sensação é extasiante! Após um dia inteiro vagando sobre as coxilhas desertas do interior do Uruguay, a imagem do grande vale de coqueirais e árvores abundantes beirando o rio é impactante! A trilha interpretativa de quase 3 km baixa até o arroio cristalino onde é permitido banhar-se, passa pelos bosques e sobe novamente ao topo da serra ainda pelo meio da vegetação.
   Além da linda paisagem da garganta em meio à serra, podemos seguir as placas que levam até uma pequena e energizante cascata fora das áreas preservadas da Quebrada de los Cuervos. Passando dois portões que impedem os rebanhos de bovinos e caprinos adentrarem ao parque, encontramos uma casa, cuja dona cobra 15 pesos uruguaios para entrar em suas terras para conhecer uma laguna e a cascata (porém, no dia que eu fui, não havia ninguém cobrando). Caminhando alguns minutos, chega-se até as atrações citadas, cujo ambiente requer momentos de contemplamento sentado nas margens de suas águas.
   
  Nesse mesmo percurso, também é possível ver um pouco da cultura gaucha, onde homens pilchados montados em seus cavalos e seguido por seus cachorros fiéis, conduzem seus rebanhos até locais de bom pasto ou mais abrigados no pampa. Muitas árvores frutíferas também são encontradas no caminho, como uma das frutas mais típicas do Uruguay, o pomelo (um misto de laranja e lima), o qual é utilizado na produção de sobremesas e bebidas.
       À noite, após chegar no camping, dormi um sono profundo de contentamento sob o céu mais estrelado que já vi em toda minha vida... Na manhã seguinte, iniciei a caminhada de 23 km até a estrada para pedir carona. Porém, no meio do caminho, um pampeano pilchado e com seu mate à mão me deu carona até sua propriedade, a partir da qual continuei caminhando, até que a mesma camionete guiada por anjos passou por mim novamente, me levando até a rodovia, onde pedi carona até chegar novamente à minha casa...
 

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Ferrovia do Trigo, Muçum-Guaporé, RS, Brasil

 
     Neste segundo post do blog, mostrarei mais um destino d'O pé de Samantha: a Ferrovia do Trigo...
     A cada ano, esse ponto se torna um destino mais popular entre os turistas de aventura e objeto de estudo dos amantes da história riograndense. A ferrovia do trigo - assim chamada pelo fato de ter sido construída para escoar os grãos produzidos no planalto riograndense até o Vale do Taquari - possui uma das maiores obras ferroviárias da América Latina.
     Devido ao grande recorte geográfico da área serrana onde se localiza, diversas obras de engenharia foram construídas para possibilitar a passagens de trens de modo seguro. Ou seja, sem desníveis e curvas acentuadas no trajeto. Assim, túneis e viadutos tiverem origem em meio a grande beleza cênica que a Serra proporciona, com seu rio Guaporé e diversas cachoeiras que margeiam a construção.
    Quando eu resolvi fazer essa travessia, encontrei pouca informação sobre ela na internet. Mesmo assim, somente tendo visto um vídeo no youtube sobre ela, decidi que, sim ou sim, teria que conhecê-la. E prontamente, organizei um par de coisas em minha mochila (água, alimento, lanterna, uma barraca e um cobertor qualquer, visto que naquela época nem possuía equipamento para tal aventura) e fui, sozinha e de carona, rumo a Guaporé, uma cidadezinha interiorana e pacata na Serra Gaúcha por onde passava os tais trilhos.
   O trajeto fora entre as cidades de Guaporé e Muçum, cerca de 50km sob a ferrovia, passando por cerca de 20 viadutos- alguns chegando a mais de 140 metros de altura e 360 metros de extensão - e túneis com cerca de 2 km de comprimento.
    As sensações durante o percurso são diversas, passando de claustrofobia a vertigem em questões de instantes. Dentro dos túneis, a fuligem recobre toda a paisagem ao meio do breu, que consegue ser vista somente com a ajuda de uma lanterna (portanto, não a esqueça!), devido a distância e curvas dentro das obras, que impossibilita a chegada da luz. Ainda, devido a distância entre as aberturas, o ar torna-se pesado devido a baixa circulação do vento e pelo carbono liberado pelos trens.
     Nessa parte da leitura do texto, certas ideias devem surgir no cérebro do leitor: 
FATO 1: Os trens liberam fumaça dentro do túnel. Isso significa que todavia há trens circulando;
FATO 2: Os túneis são longos, podendo ter até 2 km de extensão. Logo, tarda-se em atravessá-lo a pé;
FATO 3: Trens locomovem-mais rápido do que seres humanos.
PERGUNTA 1: Se eu estiver dentro do túnel e um trem se aproximar. O que farei?
    Bom, não é necessário se apavorar nessa situação (pelo menos não tanto). A cada 15 metros, aproximadamente, há reentrâncias nas paredes do túnel que servem como refúgio caso haja um encontro com a locomotiva. Alguns não são muito profundos, mas cabe facilmente uma pessoa e sua mochila.
PERGUNTA 2: Ok, nos túneis estarei salvo, mas e nas pontes?
    As pontes também possuem refúgios (porém em intervalos variados) que, as vezes sim, as vezes não, possuem chão. Isso mesmo! Se tu estiveres com sorte, conseguirás correr para um refúgio com chão, se não, terás que pendurar-se em uma das armações até o trem passar, como aconteceu comigo em um dos dias de travessia.
      Outras atrações durante o trekking são as cachoeiras e córregos que margeiam a ferrovia. Para encontrá-las, basta escutar o som da água. Uma queda muito interessante é um desvio de um córrego feito ao lado da entrada de um túnel, formando uma queda de cerca de 60 metros de altura que despeja a água no pé do morro.
   Ainda, como todavia é uma região pouco explorada, encontros com muitos animais silvestres é possível. Entre eles, vê-se quatis, tatus, falcões, cachorros do mato e urubus, os quais alimentam-se dos diversos animais atropelados pelos trens.
        Para embelezar mais todavia a experiência da travessia da Ferrovia do Trigo, é imperdível acordar cedo e ver o amanhecer com serração da serra gaúcha (de preferência em alguma ponte alta). A neblina que aos poucos se eleva da vegetação densa encontrada nos vales, diminui a visão do caminhante a poucos palmos de profundidade, proporcionando uma sensação de estar caminhando em direção a algum lugar imaginário...

        DICAS IMPORTANTES:

  • Caminhar sobre os trilhos do trem é um exercício muito cansativo, devido ao espaçamento entre os dormentes que não acompanha o ritmo das passadas normais e pela enorme quantidade de pedras, que são ótimas para uma torção se não tomar cuidado. Assim, recomenda-se levar pouco peso para diminuir o impacto e a utilização de calçados confortáveis.
  • Devido ao tráfego noturno de trens, é recomendável montar acampamento o mais afastado possível dos trilhos, para evitar objetos que possam ser arremessados pela passagem do trem.
  • No verão, cobras tendem a refugiar-se entre os dormentes dos trens, logo, cuidado onde pisas!
  • Há grande quantidade de córregos potáveis e mangueiras que levam água as propriedades rurais pela ferrovia, possibilitando o reabastecimento durante o trajeto. Ao utilizar um desses encanamentos para obtenção de água, certifique-se que ele seja posteriormente bem fechado. Além dessas fontes de água, as bergamoteiras que fornecem um apetitoso lanche durante os meses inverno, quando ocorre sua frutificação.
  • As temperaturas variam muito anualmente. No verão, as máximas chegam a quase 40ºC e no inverno, podem ocorrer temperaturas negativas. Vá preparado para a estação escolhida! Não faça como eu, que quase congelei durante a noite!

        

Parque Nacional Lihue Calel, AR

Para abrir a escrita dos posts desse blog, resolvi iniciar com uma das mais marcantes paradas de minha última viagem: o Parque Nacional Lihúe Calel... Utilizo a palavra marcante por muitos motivos, os quais me puseram muitos sorrisos em minha face.
    

    LC localiza-se no coração da Província de La Pampa, Argentina, sendo necessários mais de 200km em qualquer direção para chegar em alguma cidade com mais de 100 habitantes, através de uma rodovia (RT152), nada movimentada, levando aos caroneiros a uma longa espera para entrar ou sair do parque. O fator positiva dessa rodovia inóspita é que 99% dos carros que passarão pela rodovia estarão indo de Santa Rosa para Neuquén, logo, passarão pelo parque.
   
        O primeiro sorriso que Lihue Calel pôs em meu rosto foi o fato de eu conseguir uma carona em uma camionete de Bragado, Província de Buenos Aires, diretamente à entrada do Parque, ou seja, cerca de 500km feitos em um pouco mais de 3 horas em companhias super agradáveis!

         Após descer na entrada do parque - o qual é muito fácil de encontrar, visto que toda a paisagem durante o caminho não possui nenhum grande relevo nem placas e, a entrada do parque possui placa e situa-se na base de um morro com uma antena de telecomunicação- é necessário caminhar até a casa do guardaparque e, nesse caminho surgiu meu segundo sorriso! Nessa primeira caminhada ao meio dessa cadeia de montanhas do Huecuvú Mapu (que, em Mapudungun, língua do povo Mapuche, significa "as terras do demônio") com estepes aparentemente inóspitas, me deparei com um dos 42 mamíferos do parque: o piche patagônico, o qual cruzou pacífico a minha frente, possibilitando fotos e admirá-lo em seu trajeto... 


        Chegando na sede, fui recebida por um dos guardaparques, o qual foi muito simpático e me indicou a montar acampamento e aproveitar a luz do sol e o bom dia para subir ao Cerro de la Sociedad Científica, o qual ele dizia ter uma vista incrível.
        No acampamento, me deparei com uma área agradabilíssima no meio de árvores nativas (que depois fui descobrir que era o dormitório de bandos de Aratingas de Testa Azul, Aratinga acuticaudata e de um caburé), com churrasqueiras, mesas de picnic e banheiros com água quente e bem organizados, porém sem tomadas.
      Depois de montada a barraca ao meio dos passos de Arapaçus platinos, codornas amarelas e Eudromias, segui para a trilha do Morro da Sociedade Científica, que possui 590 metros acima do nível do mar, mas que parece ser muito maior devido ao contraste da vasta planície que se encontra ao redor. Devido a essa e outras elevações, na sua base cria-se um microclima menos severo, que comporta mais de 40% das plantas encontradas na província, sem contar nos líquens, musgos, samambaias e algas e outros grupos de seres vivos, além do caldén, uma das plantas mais característica da Patagônia.

Três espécies endêmicas se destacam na composição desses bosques: a margarida Lihue Calel (a flor provincial), melosilla e a leguminosa Adesmia lihuelensis. Outra excêntrica planta encontrada é a traicionera (a traidora), um cactus de aspecto peculiar e espinhos afiados; uma planta aérea (Tillandsia sp.), que cresce achatada sobre as rochas e a única orquídea reportada para a região.
Boquiaberta com a alta diversidade vegetal encontrada ali, no meio da homogênea paisagem vista durante todo o percurso até o parque, não acidentalmente fiquei mais ainda. Toda aquela gama botânica reflete também da diversidade animal da região: muitos bandos de guanacos caminhavam por entre os montes, enquanto as mães pastavam e os filhotes mamavam nas mesmas e rapinantes planavam sobre as elevações. 

Em Lihue Calel há 173 espécies de aves, 43 mamíferos, 25 répteis e 4 anfíbios. E a lista inclui muitos animais ameaçados, como a águia coronada, cardeal amarelo, falcão peregrino, o pichiciego menor e o cágado patagônico e outros que são muito perseguidos (como o puma, vizcachas, a raposa cinzenta, a ema, o preá patagônico e o lagarto teiú). E, alguns deles são grandes frequentadores da área de lazer do parque, como a raposa, o teiú e muitas aves.

      Para subir o Cerro, há muitas placas indicando o caminho e dando informações sobre a vegetação, animais e geografia, e é requerido um bom estado físico e um par de horas, mesmo que a subida  dos quase 590m seja tranquila. Chegando ao topo, mais um sorriso surgiu em meu rosto: a paz e o contentamento que emana da beleza cênica do lugar invadiu meu ser! Toda aquela planície de vasto horizonte inóspita ao redor, sem nenhuma cidade e ruído humano por perto me fez perder a noção do tempo e encheu minha alma! Uma imagem e sensação que ninguém pode perder!
       Durante as duas noites que passei no parque, fui convidada para matear e conversar na casa dos guardaparques e aproveitei para recarregar minha câmera e lanterna, visto que, como já tinha mencionado, não há tomadas no camping. Durante essas conversas, muito foi falado sobre a história da criação do parque...
        Antigamente, o povo Tehuelche habitou essas terras, como também seus antepassados. Esses caçadores/coletores vagaram por essas planícies argentinas desde 4500 anos a.C. até o período da conquista espanhola, quando eles foram amalgamados na cultura araucana. Para eles Lihue Calel não era simplesmente um lugar de caça farta mas um local com muita energia, carregado de espiritualidade, como mostram as trilhas interpretativas localizadas dentro do parque, que possuem cemitérios, pinturas rupestres e outras obras desses povos.
          No segundo dia eu percorri as outras trilhas e montes do parque a pé, porém, elas também podem ser feitas de carro e bicicleta. Entre as atrações estão as bem preservadas pinturas rupestres localizadas no fim da trilha interpretativa das margens do Arroio das Pinturas, tendo 600 metros de extensão e também as ruínas da antiga estancia Santa Maria e um cemitério indígena.
Informações úteis:
       O parque foi criado em 31 de maio de 1976, para a proteção da eco-região de montes sulinos e bosques de espinilho e apresenta 9905 hectares.
         O clima é temperado e seco com grande variação anual de temperatura. Possui uma média invernal de 7ºC, com geadas de Abril a Outubro, porém pode chegar a temperaturas negativas e nevar. No verão, a média fica em 24ºC, podendo chegar a 40ºC. Anualmente, precipita-se 400mm, em sua grande parte no inverno, sendo a melhor época de visitação no início do outono e primavera. Devido as grandes áreas abertas, há ventos fortes na região
       Minha visita ao parque foi no início de setembro, com dias ensolarados e temperaturas amenas. Porém, quando já estava pedindo carona na rodovia, em direção ao Parque Nacional Laguna Blanca, começou uma chuvinha de leve e um frio insuportável, que para qualquer um seria normal. Quando acessei a internet novamente, vi fotos do local que para mim fora caloroso dias atrás, coberto de neve, espessura que admirou os próprios guardaparques de Lihue Calel!
    Aqui fica meu relato e informações sobre esse lindo pedaço da Argentina! Até a próxima!